Buenos Aires, agosto de 2024 — A capital argentina foi palco, entre os dias 15 e 18, de um evento que reuniu representantes de mais de 20 instituições judaicas, entre comunidades, movimentos juvenis, instituições educacionais e de outras naturezas de toda a América Latina. Foram mais de cem participantes de países como Argentina, Brasil, Costa Rica, Chile, Espanha, EUA, Guatemala e Israel. O encontro regional da União do Judaísmo Reformista (UJR-AmLat) trouxe líderes religiosos, educadores, jovens e membros da comunidade judaica dentro e fora do âmbito reformista para uma profunda reflexão sobre o papel do movimento progressista na região e os desafios enfrentados pela vida judaica após o início do conflito Israel-Hamas em outubro de 2023.
A Diretora Executiva da Fundación Judaica, Patricia Holzman, responsável por grande parte da organização do encontro, denominou o evento não apenas como um marco institucional, mas como um momento que também deixou um acalanto indelével em seu coração e espírito:
“Como anfitriões desta assembleia significativa, senti como se fortaleciam os laços que nos unem ao longo desta região tão diversa, unidos por uma fé compartilhada e um compromisso com os ideais do judaísmo reformista. Desde o momento inicial, a energia de cada reencontro e o caloroso abraço daqueles que vieram de diferentes cantos se fizeram sentir no ar. Esses dias foram impregnados de diálogos que abrangeram desde a liderança comunitária até o papel vital da juventude e o desafio de garantir a continuidade do nosso movimento.”
O Judaísmo Reformista na América Latina: Identidade e Desafios
Com o tema “Reconstrução e Continuidade: A centralidade de Israel para o Judaísmo Reformista Latino-Americano”, para além da temática sobre a relação do judaísmo latinoamericano com Medinat Israel, o encontro buscou explorar o que significa ser um judeu reformista em uma região marcada por uma rica diversidade cultural e histórica, mas também por desafios econômicos, sociais e políticos.
Além da prática religiosa no encontro com tefilot regidas por lideranças rabínicas e estudantes de rabinato de nossa região, foi possível conhecer e se envolver com diversos âmbitos da vivência judaica reformista latinoamericana, como conhecer o trabalho feito pela Escola Arlene Fern e conversar sobre o caminho da educação judaica para as futuras gerações; conhecer projetos de Tikun Olam ao redor da nossa região e conversar com lideranças rabínicas e estudantes de rabinato sobre o que é, como está e como se enxerga o futuro da experiência judaica reformista na América Latina.
Em clima de boas-vindas, a UJR-AmLat recebeu duas novas comunidades em seu corpo de instituições: o Centro Israelita do Rio Grande do Norte (CIRN), Brasil; e a La Casa Kehilá, Chile. Luan Vieira, membro do CIRN, comenta com entusiasmo sobre a filiação de sua comunidade à UJR: “A comunidade optou por se alinhar ao judaísmo reformista, filiando-se à União do Judaísmo Reformista, como forma de reafirmar seus valores e se unir a outras comunidades que compartilham do mesmo ideal. Acreditamos que essa afiliação fortalecerá nossa vivência de um judaísmo igualitário e relevante para os dias de hoje, além de nos ajudar a criar e sustentar estruturas que ampliem a vida judaica em nossa comunidade”.
Adultos de diversas comunidades da UJR puderam também celebrar a conclusão do curso de B-Mitsvá para Adultos com uma linda cerimônia de leitura da Torá no Shacharit Shabat, na qual alunos do Brasil e Argentina puderam honrar suas identidades judaicas com toda a comunidade reformista latinoamericana.
O encontro teve também grande importância para a interação e integração entre as lideranças rabínicas e estudantes de rabinato da nossa região com a Kalá Rabínica. De acordo com Rabino Uri Lam, Presidente do Conselho Rabínico Reformista do Brasil (CRRB), o momento foi extremamente enriquecedor e possibilitou o crescimento de redes entre as lideranças rabínicas que podem ajudar no fomento da prática reformista na nossa região. O Conselho Rabínico Reformista da República da Argentina pôde apresentar formalmente seu novo formato e fez um convite especial para as comunidades falantes de língua hispânica: “Com a criação do CRRRA e a adesão dos rabinos a ele, marcamos um ponto de inflexão. Convidamos todas as comunidades filiadas à UJR de língua espanhola a se unirem a este novo capítulo de nossa história coletiva, uma história que está repleta de questionamentos, desafios e, acima de tudo, imensas possibilidades.”
A Vida Judaica Pós-Conflito: Reflexões e Caminhos
Um dos tópicos mais importantes do encontro foi a discussão sobre o impacto do recente conflito entre Israel e Hamas nas comunidades judaicas da América Latina. Desde o início das hostilidades em outubro de 2023, a guerra trouxe não apenas sofrimento para aqueles diretamente envolvidos, mas também um aumento nas tensões e discussões internas nas diásporas ao redor do mundo.
Além de uma importante conversa com duas parentes de reféns em Gaza, contamos com a presença do Embaixador de Israel na Argentina, Eyal Sela, que enfatizou a importância do apoio da diáspora à Israel em um momento de extrema fragilidade emocional, mas com força para encerrar o conflito. Na mesma conversa com o Embaixador, pudemos ouvir do Professor Dr. Joshua Holo do Hebrew Union College-Jewish Institute of Religion (HUC-JIR) e Flavio Levi, presidente da UJR-AmLat, sobre a narrativa sionista após 07 de outubro, a importância de engajarmos o nosso vínculo com Israel e atuarmos na medida do possível enquanto fortalecemos a presença de nossos valores progressistas no Estado Judeu.
O fortalecimento dos nossos valores progressistas em Israel se dá a partir de nosso engajamento no Congresso Sionista Mundial, principal local de voz da diáspora dentro de Medinat Israel. David Britva Beraha, Diretor Executivo da UJR-AmLat e representante interino do Arzenu Brasil comenta: “É fundamental que nossas comunidades estejam envolvidas com o Arzenu, a representação do sionismo reformista no âmbito do Congresso Sionista Mundial. Hoje, o Arzenu tem presença no Brasil e na Argentina, e queremos que nossas comunidades em outros países da região também tenham. O Arzenu é a melhor forma de judeus da Diáspora defenderem um Estado de Israel judaico, democrático e que serve a todos os judeus, independentemente de movimento religioso – é via Arzenu que conseguimos uma seção do Kotel em que homens e mulheres podem rezar juntos, por exemplo.”
Para os jovens, existe uma grande dificuldade de conciliar o apoio incondicional a Israel com a dor pelas perdas humanas em ambos os lados do conflito. Para a juventude, o encontro foi uma oportunidade para encontrar um espaço seguro onde essas questões pudessem ser discutidas abertamente e reforçar que ser judeu não é sinônimo de apoiar uma política específica, mas sim de buscar a paz e a justiça para todos, enquanto não perdemos o forte sentimento sionista presente em nós.
Educação e Engajamento Juvenil: Lideranças do Hoje e o Futuro da Comunidade
Outro ponto alto do encontro foi a ênfase na educação e no engajamento dos jovens. Após o encontro regional da juventude reformista em março, jovens lideranças de diversas comunidades da UJR puderam se reunir e pensar sobre a responsabilidade de construir uma vivência judaica reformista relevante para eles e outros jovens judeus de nossa região. Peulot e debates focados em liderança e construção de uma identidade judaica reformista forte destacaram a importância de criar espaços onde os jovens se sintam parte da comunidade, especialmente em tempos de incerteza.
“O judaísmo precisa ser dinâmico e relevante”, afirmou Rebeca Orantes, estudante de rabinato e jovem líder da Guatemala. “Se não oferecermos algo que fale com a nossa geração, corremos o risco de perder nossa identidade. Precisamos mostrar que a espiritualidade, a comunidade e os valores judaicos têm um lugar no mundo de hoje.”
Conclusão: Um Movimento Unido pelo Futuro
O encontro regional da UJR em Buenos Aires não foi apenas um momento de debate, mas também de renovação. Com a presença de mais de cem participantes, ficou claro que o judaísmo reformista na América Latina está vivo, pulsante e pronto para enfrentar os desafios do futuro. A mensagem final do evento foi clara: o judaísmo é plural, inclusivo e relevante, e está comprometido em ser uma força de mudança positiva, tanto dentro das comunidades quanto no mundo em geral.
Nas palavras de Flávio Levi, presidente da UJR-AmLat, encontros como este nos engajam para prosseguir com o trabalho comunitário de continuidade de nossa pluralidade judaica: “O Encontro presencial é insubstituível. Nele conseguimos parar entre as palestras e tefilot para conhecer e reconhecer as diferentes comunidades, e mais que isso, as pessoas que fazem as comunidades. Estarmos focados por quatro dias em construção comunitária, capacitação e congregação foi fundamental para planejarmos os próximos anos de atividades da UJR na região. Saímos desta conferência com a vontade de fazer mais, e nos encontrarmos com maior frequência. Estou ansioso para ver todos novamente em dois anos!”.
À medida que as comunidades retornam aos seus países de origem, elas levam consigo não apenas novas ideias, mas também um senso renovado de propósito e união. O judaísmo reformista continua a evoluir, adaptando-se aos tempos, mas sem jamais perder de vista seus princípios fundamentais de justiça, compaixão e igualdade.
