Iom Kipur
יום כיפור
24 a 25 de setembro
10 de Tishrei 5784
Iom Kipur: uma leitura reformista
Rabino Uri Lam
Em Iom Kipur, também conhecido como o Dia do Perdão, tradicionalmente praticamos um jejum completo, rezamos do Machzor – o livro de rezas próprio da data – e almejamos a confirmação no Livro da Vida. O incômodo do jejum, coordenado com o teor das orações, podem nos levar a um outro estado de consciência: a dor nos aproxima da dor do outro; o reconhecimento das nossas transgressões, individuais e coletivas, oferecem a oportunidade de empatizar com as mágoas que causamos em nossos semelhantes. A fragilidade que sentimos nos provoca a agir de modo diferente no novo ano. Yom Kipur é dia de afligir nossas almas, conforme escrito na Torá: “No décimo dia deste sétimo mês é Iom haKipurim e será uma convocação sagrada para vocês: aflijam suas almas…” (Levítico 23:27)
Quanto mais concentrados e concentradas estivermos, mais registrada será a experiência no nosso Livro da Vida. Um Iom Kipur leviano deixará poucas marcas; somente experiências marcantes mudam vidas.
Uma forma de nos envolvermos com o Iom Kipur é termos consciência das orações que rezamos. Na noite de Kol Nidrê, uma pequena oração serve de lanterna: “Or zarúa latzadik – a luz está semeada para os justos…” (Salmos 97:11). O dia será angustiante, mas a luz já está semeada e a alegria é inerente a quem tem o coração puro. Cabe-nos manter viva a luz e não deixar que a alegria esmoreça. Com este direcionamento espiritual, a nossa meditação será voltada para um dia transformador e significativo, pelo qual voltaremos a ser fontes límpidas de luz e de bondade.
Quanto às leituras na Torá, historicamente a principal leitura da manhã de Iom Kipur está no Levítico (16:1-34). Segundo a Torá – Um Comentário Moderno (pág. 769), “essa passagem especifica um procedimento elaborado para a manutenção anual da pureza ritual do santuário. Pondo sua vida em risco, o sumo sacerdote faz primeiro a expiação de si mesmo e de sua casa, e depois de toda a comunidade.” A orientação é hierárquica: o lugar mais interno do Santuário, a Tenda da Reunião e o altar; a expiação pela família sacerdotal e, por fim, por todo o povo (cf. Lev. 16:33).
Já a leitura nas sinagogas reformistas (Nitzavim: Deut. 29:9-30:20) tem o foco na inclusão: a Aliança é entre Deus e todo o povo: homens, mulheres e crianças, líderes e pessoas simples, judeus e estrangeiros. A hierarquia dá espaço à horizontalização da relação entre cada pessoa e Deus.
Mas a principal mudança do rito reformista para o tradicional em Iom Kipur se dá na leitura da Torá nas rezas da tarde. Enquanto historicamente se lê a passagem que fala de relações sexuais consideradas proibidas (Lev. 18:1-30), a tradição reformista avança para o capítulo seguinte (Lev. 19:1-18), que nos convoca a buscar a kedushá, a santidade, por meio de ações de respeito ao ser humano, como: respeitar a mãe e o pai, não roubar, não enganar, não insultar os surdos nem provocar o tropeço dos cegos, entre outras. A mudança não é nem sutil: em um dia de tanta espiritualidade, em vez de descermos às relações físicas mais íntimas em busca das piores transgressões, elevamo-nos espiritualmente em busca da santidade. Esta leitura também ajuda a refletir sobre quais atitudes devemos ter com relação às formas de intolerância em nossos tempos, como o racismo e a homofobia, por exemplo.
Além das leituras da Torá, Iom Kipur é marcado por uma série de orações especiais, como o Vidui (confissões) e os piutim – poemas litúrgicos – da Neilá, já no encerramento do Iom Kipur. Neste final, na transição de cansaço, fome e sede para a confirmação no Livro da Vida, as orações deixam aos poucos o tom melancólico para ganharem alegria e esperança.
Ao final do Iom Kipur, os toques triunfantes do Shofar, com as comunidades cheias de homens e mulheres de todas as idades, sem distinção, muitas vezes cobertas com um tenda de talitot estendidos – nos indicam que a confirmação para o Livro da Vida não é uma conquista individual, mas coletiva; e que ter o nome inscrito neste livro não é o objetivo final, mas inicial. Que venha a vida: estamos preparadas e preparados para ela.
Uri Lam é Rabino da Congregação Israelita “Templo Beth-El” e o atual presidente do CRRB (Conselho Rabínico Reformista do Brasil).