Pêssach
פסח
15 a 22 de Nissan de 5783
5 a 13 de abril de 2023
“A libertação chega quando as pessoas se congregam
às dezenas e aos milhares
exigindo que o déspota que segura as rédeas
renuncie, e entre as palavras de ordem
compartilham lentilhas cozidas sobre uma chama ardente
e as casas se abrem para que os manifestantes possam tomar banho
e membros de uma fé se dão as mãos
para proteger os membros de outra fé durante a oração.
A libertação tem um custo: não só
os cavalos e as charretes lançadas ao longe, mas
inocentes assassinados a tiros por seu próprio exército,
crianças aterrorizadas perdidas nas multidões turbulentas
ativistas encarcerados por falar livremente,
e quando o mundo deixa de olhar
podem ser espancados—ou pior.
Depende de nós ao menos prestar atenção
nas telas dos celulares e dos computadores,
quando pessoas reais se levantam para dizer
temos direito de nos congregar e de falar
não seremos silenciados, não temos medo”.
Rabina Rachel Barenblat
Em cada geração existem aqueles que não apenas se veem como saindo do Egito, como também somos testemunhas, com pesar, de como são tantos os que buscam ser libertados e não conseguem.
A história judaica do êxodo serve, ao longo dos séculos, de inspiração para muitos oprimidos e perseguidos. Ainda hoje há aqueles que lutam por sua liberdade; sua luta acontece neste momento e muito mais perto de nós do que imaginamos.
Quando lemos, na Torá, sobre a façanha que dá origem à festividade de Pêssach, chama a atenção que a razão ou o fundamento para sair dali está expresso em quatro verbos atribuídos a Deus: tirarei, resgatarei, redimirei e tomarei. Ele nunca diz “libertarei”. Isso causa certa surpresa, porque o título principal deste tempo é zman cherutenu, a época da nossa libertação. Isso nos deixa com a impressão de que essa libertação não tem a ver com nenhuma ação divina, e sim com um compromisso humano. Ele nos tira de lá com mão forte e braço estendido, mas não nos liberta, talvez porque esse movimento não possa vir de fora para dentro, e sim deva nascer da vontade de cada um.
Há várias formas de dizer “liberdade” em hebraico. Por um lado está dror, que é a liberdade de pensamento e de expressão. Podemos ver hoje como, por meio de diferentes técnicas e ferramentas, desde as mais explícitas até as mais sutis, sejam ameaças, programas de dominação intelectual, um bombardeio de mensagens nas redes sociais ou tantas outras formas, se tenta influenciar nossa mente. O sábio judeu Moshé Ibn Ezra (Espanha, 1089–1167), apoiando-se no livro de Provérbios, 26:2, explica “dror” comparando-a a um pássaro que canta enquanto está livre.
Outra forma é a que a Torá usa quando explica que um escravo era libertado de seu amo: chofesh, como quando cantamos no hino israelense, Hatikvá, “lihiot am chofshi beartzenu” (ser um povo livre na nossa terra). Chofesh se usa para falar da “liberdade de” alguma coisa. Quando esse ser já não se une à relação desigual com quem o subjugava, passa a poder fazer o que quiser, e ninguém o condiciona nem lhe pode impor qualquer ordem. Podemos dizer se trata da liberdade física.
Mas nossos sábios não chamaram essa festa de “zman chofshenu”. Parece que Pêssach implica outro tipo de liberdade; por isso lhe deram o nome de “zman cherutenu”, aludindo à outra palavra hebraica que significa liberdade: cherut, que é a “liberdade para” fazer algo. Isto é: existe algo arraigado em nosso inteiro que nos impulsiona a fazer aquilo que acreditamos ser o correto.
“As Tábuas eram obra feita por Deus—vehamichtav michtab Elohim—e a escritura era a escritura de Deus—charut al haluchot—gravada nas Tábuas”, Shemot (Êxodo) 32:16. Charut (gravada) deve ser lido como Cherut (liberdade), dizem nossos sábios em Pirkei Avot 6:2.
Cherut é a liberdade espiritual, impressa, gravada em nosso interior como as palavras de Deus estavam gravadas nas tábuas.
Em nossa visão judaica reformista, a liberdade adquire, entre outras formas, o nome de autonomia pessoal. Cada um decide para si próprio. Somos intérpretes autorizados e criadores do judaísmo que queremos viver. Sempre, eu entendo, tendo o cuidado de que essa autonomia não seja uma exacerbação do individualismo. Trata-se de uma autonomia com responsabilidade e compromisso comunitário e social.
Que Pêssach seja inspirador para a busca de uma liberdade com propósito nobre, positivo e sensível, e que possamos convertê-la em ação e, assim, construirmos nosso próprio destino.
Rabino Diego Elman
Rabino da Comunidade Mishkán de Buenos Aires
Secretário Acadêmico do Instituto Iberoamericano de Formação Rabínica Reformista