Tu beAv 5782 | 2022 – Rav Rogério Cukierman

ט׳׳ו באב

Tu beAv

15 Av 5782

11-12 Agosto 2022

 

Em filmes de caça ao tesouro, as maiores riquezas são aquelas escondidas nos lugares mais inacessíveis. Há algo parecido em tradições religiosas: aquilo que nos é de fácil acesso acaba sendo usado de forma tão intensa e repetida que pode se banalizar. Muitas vezes, tradições menos conhecidas ganham maior significado quando finalmente as descobrimos.

Tu beAv é uma das datas judaicas de menor destaque. Para preparar este texto, eu consultei alguns dos meus livros favoritos sobre o calendário judaico e praticamente nenhum deles mencionava a data. A busca por suas diversas camadas de significado promete, no entanto, recompensas especiais para quem conseguir chegar ao final da jornada.

Tu beAv, o décimo-quinto dia do mês de Av, acontece em meio a uma reviravolta do calendário. Ela segue um período de três semanas de intenso pesar, que culminam em Tishá beAv, o ponto focal das tragédias ocorridas na história judaica. Por isso, uma mishná estabelece que “quando começa o mês de Av, diminuímos nossa alegria”. No entanto, uma outra mishná afirma que “para o povo de Israel, não havia dias que fossem mais felizes do que Iom Kipur e Tu beAv”. A mudança repentina de estado de humor do dia mais triste do ano para um dos mais felizes em apenas cinco dias torna esta transição ainda mais intensa.

O que tornava Tu beAv um dia tão feliz? Os arqueólogos dizem que se tratava de um festival pagão que comemorava a fertilidade e a fermentação, mas a primeira pista sobre a sua origem judaica vem da própria Mishná que a coloca como uma referência em felicidade no calendário, que afirma que neste dia as jovens de Jerusalém saíam com roupas brancas emprestadas para não envergonhar quem não tinha. Elas saíam e dançavam nas vinhas, convidando os homens a escolherem suas parceiras, sem se basearem nas aparências. A imagem de danças em roupas brancas em meio ao campo já traduz uma certa perspectiva de romantismo e ajuda a explicar porque Tu beAv passou a ser vista como a celebração judaica do amor.

Ainda assim, este texto da Mishná não explica o motivo de que esta celebração acontece em 15 de Av e os sábios do Talmud buscaram explorar a questão mais a fundo. Os sábios trazem diversas explicações, algumas delas relacionadas à suspensão de proibições de casamentos entre membros de diferentes tribos; outras explicações relacionam a data a eventos da história judaica, como o fim das mortes da geração que havia deixado o Egito, o fim da proibição de ir a Jerusalém nos tempos do rei Hoshea ou quando puderam enterrar as vítimas da batalha de Betar.Outra explicação é que a partir de 15 de Av, o Sol se tornaria mais fraco na terra de Israel, tornando mais difícil a secagem da lenha que era usada como oferta no Templo; por isso, eles paravam de cortar árvores nesta data.

Como em toda boa história de mistério, um detalhe aparentemente insignificante nos leva a revelações fundamentais para sua solução: a oferta de madeira que era trazida ao Templo. Uma mishná estabelece datas específicas para grupos de destaque trazerem madeira. A data de 15 de Av era reservada a quem, por erro, não tinha comparecido na data correta e aos segmentos sociais de menor destaque. De acordo com Flavius Josefus, um historiador judeu-romano do primeiro século, em certa ocasião os participantes das cerimônias de oferta de madeira em 15 de Av eram tão numerosos que eles sobrepujaram os soldados romanos e os expulsaram da cidade. A multidão, então, queimou os arquivos, destruindo os registros das dívidas e libertando devedores de seus credores. Este aspecto da data não teria recebido destaque na literatura rabínica por medo de que as autoridades romanas se ofendessem e proibissem sua comemoração.

Tu beAv se insere, assim, no universo das datas judaicas centrais: assim como Chanucá, teve sua dimensão de autodeterminação sublimado por receio de como as autoridades reagiriam; como as Pessach, Shavuot e Sucot, tem dimensões agrícolas relacionadas à estação do ano e seu impacto sobre a natureza; como Rosh haShaná e Iom Kipur, nos convida a ir além das aparências e encontrarmos as pessoas em suas verdades mais profundas. Como várias outras datas do calendário, sua origem pode estar associada a comemorações de outras culturas, que foram ressignificadas e se tornaram plenamente judaicas.

Tu beAv também traz algo unicamente seu. Era no 15 de Av que as jovens de Jerusalém trocavam de vestido para que seus pretendentes não pudessem identificar quem eram as moças ricas e quem eram as pobres; o 15 de Av era a data em que os segmentos de menor destaque social vinham trazer suas ofertas de madeira ao Templo e também foi no 15 de Av que uma revolta popular deu fim a uma situação de opressão financeira vivida pelo campesinato da época. Nestas três situações, há uma ênfase em equidade e em proteger os grupos sociais mais vulneráveis. Quando pensamos sobre a ligação com relacionamentos românticos que Tu beAv passou a ter, é fundamental integrarmos os dois conceitos, identificando quais grupos hoje tem suas vidas amorosas colocadas em risco, desenvolvendo ações concretas para protegê-los e garantindo que possam continuar amando quem amam. 

 

No judaísmo, amor é ação – Tu beAv pode ser a data para colocar isso em prática.

 

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