15 Shevat 5782
16-17 de janeiro de 2022
Tu BiShvat começa como a data em que os impostos, os sacrifícios e as doações sobre tudo que vem das árvores se renovam. Assim aprendemos no tratado Rosh Hashaná, no código legislativo da Mishná (escrito em Eretz Israel, nos séculos I e II). Não havia um significado espiritual mais complexo, senão uma data burocrática. Assim continuamos até a chegada do misticismo ao judaísmo.
A escrita do Zohar, na Europa, e a formação da Cabalá em Eretz Israel fazem com que essa data se transforme em um poderoso chag, uma celebração espiritual que une o passado e o futuro. Tudo se inicia no século XVIII, em Tzfat. Enquanto o Iluminismo judaico começava a engatinhar na Europa, os rabinos místicos de Tzfat encontraram na data de Tu BiShvat uma oportunidade de se elevar espiritualmente, através de uma nova tradição.
Criou-se o Seder de Tu BiShvat, ceia festiva na qual se come dez tipos diferentes de frutas, para abençoar a riqueza da criação divina. É aceito que o Seder de Tu BiShvat foi escrito pela primeira vez num livro chamado “Pri Etzi Hadar” (“A fruta da árvore cítrica”, em tradução livre). Na introdução do livro, o Rabino escreve, sob anonimato, que a tradição de abençoar as diferentes criações divinas que se revelam na natureza está presente no judaísmo desde o Rei Shlomo. O Rei Shlomo escreveu, no Cântico dos Cânticos (6:11):
אֶל־גִּנַּ֤ת אֱגוֹז֙ יָרַ֔דְתִּי לִרְא֖וֹת בְּאִבֵּ֣י הַנָּ֑חַל לִרְאוֹת֙ הֲפָֽרְחָ֣ה הַגֶּ֔פֶן הֵנֵ֖צוּ הָרִמֹּנִֽים׃
Desci ao jardim das amêndoas, para ver os frutos do vale, ver se floresciam as videiras e brotavam as romãs. (tradução livre)
Os místicos de Tzfat viram nesse versículo o segredo da criação, porque dentro de cada fruto há o seu caroço e dentro do caroço está a vida em estado mais sensível. A casca que esconde a polpa, que esconde o caroço, que esconde a pureza da vida. O infinito dentro da fruta, que cabe em nossa mão. O sem fim, a presença de Deus, dentro de uma דבר/“coisa”. Em outras palavras, a polpa da fruta contém em si o desenvolvimento daquilo já foi semente, ela representa o passado. O caroço (que nós jogamos fora) contém em si o potencial futuro da germinação, ele representa o futuro.
Passado e futuro se unem no presente. O Seder de Tu BiShvat é uma celebração a essa união. Essa lição nos é muito importante hoje, pois só entenderemos a grandeza de cada um de nós frente à pandemia ao unir o passado e o futuro. O Seder de Tu BiShvat nos convida a imaginar que cada ação no presente é consequência de inúmeras conexões do passado e gera em si um potencial futuro.
O filósofo Emmanuel Levinas nos ensinou em uma aula, lecionada em 1957 no Marrocos, que o judaísmo é uma religião para Adultos (com A maiúsculo). Em sua aula aberta, ele disse que o Judaísmo é uma religião que demanda responsabilidade com a ação individual e um comprometimento com a coletividade. Levinas estava de total acordo com os sábios do Talmud e com os místicos de Tzfat ao afirmar que não há uma real separação entre passado e futuro e sim um contínuo embate, que se faz, refaz e desfaz através das pequenas ações cotidianas.
Mais que plantar uma árvore, Tu BiShvat é uma data que nos faz questionar onde estamos, o que fazemos e qual será nosso futuro. Tudo isso, sentados ao redor de uma mesa, celebrando a criação das árvores e dos frutos. Os místicos de Tzfat não anteviram a pandemia, no entanto, nos deixaram uma bela lição: o quão preciosa é a vida.
Desde Israel, eu desejo a vocês um Chag Sameach. Que saibamos honrar as tradições e também inová-las, assim como nossos antepassados inovaram. Que saibamos onde encontrar a vida, ainda dentro das mais ordinárias criações. Que possamos unir o passado e o futuro, abençoando o presente. Que vivemos, que possamos nos manter, e que chegamos até esse momento.
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Rabino Rodrigo Baumworcel se formou pelo Hebrew Union College em 2021 e atua como líder espiritual da Comunidade Ha’Lev, no centro de Tel Aviv.
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Confira também a Hagadá para o Seder de Tu BiShvat aqui.