Chanucá 5783 | 2022 – Luzes, sombra, libertação ou opressão?

Chanucá: Luzes, sombras, libertação ou opressão?

Rav Ruben Sternschein

Chanucá 5783/2022

Educação e renovação

 

A palavra Chanucá, que significa renovação ou inauguração, em hebraico, vem do mesmo radical que a palavra educação. Como se a educação fosse uma forma de se renovar e re-inaugurar. Nesse sentido, estudar, tanto para revisitar o que é conhecido ou para aprender o que é conhecido por outros ou ainda para pesquisar e descobrir o totalmente desconhecido, seria uma forma de rejuvenescimento. Ao menos, mental, espiritual e quem sabe também físico na medida em que tudo se inter-relaciona em uma pessoa.

 

A verdadeira história central

 

Embora Chanucá tenha sido divulgada nos últimos séculos como a festa das luzes, centralizando o ritual do acendimento das velas, essa prática além de ser muito posterior, se baseia num detalhe marginal e não provado nas fontes históricas.

 

A verdadeira história documentada conta a revolta dos Hasmoneus contra a invasão seléucida helenista e a reconquista da autonomia judaica representada na reinauguração do Templo de Jerusalém.

 

O império selêucida tinha mudado sua política invasiva impondo restrições à vida judaica na terra de Israel. Os judeus que até então aceitavam processos assimilativos sutis se identificavam com os mais radicais e se uniram à revolta da família Hasmoneana na qual todos menos um dos filhos morreram em combate. Ainda assim, a liberdade judaica foi recuperada.

 

A origem do detalhe do azeite

 

Mais de quatro séculos mais tarde, numa discussão rabinica sobre shabat, o Talmud nos conta a lenda segundo a qual estando no Templo, os lutadores não acharam mais do que azeite para um dia e apesar de saber que demorariam oito dias para produzir mais azeite kasher, resolveram acender o que tinham e durou todos os oito dias.

 

Pequenas Janelas x Chanukiot gigantes 

 

A partir dessa narrativa, prescreveu-se a prática de celebrar a festa durante oito dias, acendendo neles oito velas. Uma vez acesas, costuma-se colocar a chanukiá na janela ou na porta para divulgar o milagre segundo a tradição. Os critérios do horário de acendimento também consideram a possibilidade de acessar mais pessoas. Prefere-se acender antes do aparecimento de três estrelas se assim mais pessoas verão a chama do que à meia noite, por exemplo. Assim, em alguns setores, especialmente ortodoxos, desenvolveu-se a busca por acendimentos mais ostensivos: em grandes centros urbanos, shoppings, nas entradas das cidades, em locais bem altos e construindo chanukiot gigantes.

 

Arranjos com prefeituras e bombeiros formam parte destas práticas. Embora muita luz seja distribuída fisicamente deste modo, e algumas pessoas vejam nesta forma da pratica uma demonstração de orgulho externado do ser judeu junto à possibilidade de contar a hisotria – do azeite? Da revolta em prol da autodeterminação? – para mais pessoas, acredito que algo se perde da beleza sutil da metáfora proposta pela prática original na janela. 

 

Acender uma pequena chanukiá em casa e colocá-la na janela pode se interpretar como dizendo: cada um tem sua própria luz, sua própria capacidade e modo de acendê-la e acessá-la. Único, e insubstituível. Eu acendo a minha de meu modo e a compartilho com abertura e generosidade, mas também com humildade e cuidado, de não invadir e não ofuscar. Quem quiser se iluminar com minha luz poderá fazê-lo apenas pela própria decisão. Se além disso se inspirar a acender sua própria luz do seu próprio jeito na sua casa, melhor. E se ainda decidir colocar sua chanukiá também na sua janela, então melhor ainda! Também contarei com a luz dele. 

Uma chanukiá imensa poderia sugerir que só ela tem o poder de iluminar.

 

Reflexões e Ironias

 

Educar e renovar são dois verbos que se incluem e se acionam mutuamente e constantemente num círculo virtuoso quando são verdadeiros.

 

Os hasmoneus queriam liberdade de imposições gregas para praticar o judaísmo e aparentemente acabaram forçando a vários dos participantes a se unirem à sua revolta. Por outro lado, seus descendentes acabaram adotando nomes gregos e outras práticas.

 

Os Hasmoneus se chamaram também “macabeus” e as macabíadas são jogos olímpicos gregos entre judeus que adotaram parte das práticas esportivas gregas.

 

Nos séculos de exilio, a narrativa do azeite prevaleceu sobre a história da luta e reconquista da autodeterminação do povo judeu, retomada principalmente após a independência do moderno Estado de Israel, cujo ethos sionista sempre priorizou o valor de fazer a história e “na” história ao invés de pregar milagres e esperá-los.

 

A luz da chanukiá se acende dentro e se leva para fora. Neste momento, se depara com outras, recebendo uma luz de fora e trazendo-a para dentro. Luz essa que renova (chanucá) outra luz, de dentro para fora e de fora para dentro. Como a educação faz com o educador, com o educando e com o conteúdo.

 

Uma chanukiá grande demais paradoxalmente pode ofuscar e cegar enquanto pretende ser a única luz.

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