Chanucá
חנוכה
7 a 15 de dezembro
25 de Kislev – 3 de Tevet
Uma luz em dias sombrios
Rabina Dra. Kelita Cohen*
Por que acendemos velas em Chanucá?
A resposta dada por Rava[1] a esta pergunta é: “mishum pirsumei nisa[2]” – “para divulgar o milagre”. Por isto a tradição é colocar a chanukiá acesa na janela, para que seja vista por quem passa na rua.
Em tempos sombrios, pode ser que nos deparemos com o dilema entre tornar pública a nossa judaicidade ou mantê-la em privado. Os criptojudeus são um exemplo daqueles que, por um contexto ameaçador, mantiveram suas práticas judaicas em segredo. Da Inquisição ibérica à Alemanha nazista, certamente muitas chanukiot tiveram suas luzes distante das janelas.
Como lidar com a manutenção das nossas tradições em um entorno hostil, como o que temos vivenciado? De forma tão abrupta e inesperada, nos deparamos com o antissemitismo às portas das nossas casas, e começamos a escutar que talvez seja melhor que nossos filhos não saiam às ruas com a camiseta de uniforme da escola judaica, não usar kipá em ambientes públicos não judaicos, ou evitar adereços judaicos ou alusivos a Israel, para evitar ataques.
O mesmo Talmud que nos orienta a divulgar o milagre, também faz a seguinte ressalva: “Em um momento de perigo, esta [a chanukiá] pode ser colocada sobre a mesa e isso é suficiente para cumprir a mitsvá”[3].
Mas acender as luzes de Chanucá na janela também pode ser um ato de resistência. Como Festival das Luzes, nós o celebramos de forma mais intensa quando acendemos uma luz em tempos sombrios.
Apesar de se tratar de uma festividade rabínica, os sábios indicam uma primeira alusão a Chanucá logo no começo da Torá. Em um midrash sobre o segundo versículo de Bereshit, é dito: “’E a escuridão cobriu a superfície do abismo’: Escuridão —faz alusão ao exílio grego, quando os gregos escureceram os olhos de Israel com seus decretos[4]”.
Além do milagre e das luzes, Chanucá é o festival da resistência por excelência. O povo de Israel já havia enfrentado grandes crises e graves ameaças contra sua existência como povo (no Egito, durante o tempo da escravidão), contra sua permanência na Terra de Israel (como no exílio babilônico) e contra suas vidas (como na Pérsia, recordada em Purim), mas até então nunca um desafio tão direto às suas práticas religiosas. O ataque do imperador selêucida Antioco IV foi dirigido ao judaísmo. Ninguém antes dele havia se esforçado tanto para erradicar a observância judaica e o monoteísmo.
Com suas particularidades, eventos recentes podem ecoar traumas passados. A lista de episódios a seguir é extraída da história dos hashmonaim, por volta do ano 167 aEC, quer nos livros dos Macabeus, quer no livro de Judite. Mas, como veremos, poderiam muito bem ser a descrição da história recente, em 7 de outubro de 2023:
- Invasão da Terra de Israel com violência: A história de Chanucá se torna, através desse paralelo, o trauma da invasão do recinto sagrado, o Beit Hamikdash, a Casa que é nossa pátria.
- Sequestro e assassinato de mulheres e crianças: conta-se no livro de Macabeus[5] a história de Hana, uma mãe que foi apreendida por Antíoco Epífanes com seus 7 filhos. Cada um deles assassinados com requintes de crueldade semelhante aos que inundaram os jornais de Israel há 2 meses.
- Assassinato de idosos: o livro de Macabeus[6] descreve o assassinato de Eleazar, um escriba idoso.
- Violações e estupro: Na literatura rabínica, “bait” (casa) é também sinônimo de mulher. Em uma leitura feita pela professora de Estudos sobre Mulheres Judias, Judith Kates sobre a história de Judite, o vilarejo invadido é Betúlia, uma alusão à palavra hebraica “betulá”, virgem. O povo judeu é personificado como uma virgem violentamente estuprada.
O rabino Shimon Sofer (1850-1944) se refere às luzes de Chanucá não apenas como a comemoração de um milagre ocorrido no passado, mas sim como algo milagroso no aqui e agora: a capacidade de servir como uma ponte entre nós, judias e judeus, e todos à nossa volta, pois pirsumei nisa diz respeito ao outro, mais do que a nós mesmos. Em um momento de tanto distanciamento das pessoas ao nosso redor, é importante lembrar que as luzes de Chanucá podem servir como uma ferramenta poderosa para nos aproximar.
Do evento sangrento dos Macabeus contra o exército selêucida, a nossa tradição criativamente moldou um festival de luzes. Esperamos em algum momento breve que consegamos nos curar do trauma vivido em 7 de outubro, cicatrizar as feridas e, quem sabe, até desenvolver um novo ritual que tenha como destaque a música, em homenagem às vítimas do Nova Music Festival, de Re’im.
Mas hoje, como ato de resistência, que “a iluminação da menorá seja “um testemunho para o mundo inteiro de que a Presença Divina permanece junto com Israel.[7]”
*Chanucá significa inauguração. Com este texto, Kelita Cohen inaugura sua jornada como rabina.
[1] Rabino talmúdico da Babilônia, no período da Guemará
[2] Talmud, Shabat 23b
[3] Talmud, Shabat 21b:8, uma baraita.
[4] Bereshit Rabá 2: 4
[5] II Macabeus, capítulo 7
[6] II Macabeus capítulo 6
[7] Talmud, Shabat 22b:2
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